Silvia Portela: "Pensando alto...Sobre o poder nos sindicatos e na politica".

31.10.2020

 “PENSANDO ALTO … SOBRE O PODER NOS SINDICATOS E NA POLÍTICA”.

 

Maria Silvia PORTELA DE CASTRO (Sao Paulo, 31 de Outubro 2020)

  

1.Esse texto será um pouco mais que um “brain storm” porque parte de ideias anteriores, sendo a principal: “Ninguém abre mão do poder.”

A frase tenta ser o ponto de partida para responder: porque a lideranças sindicais nunca encararam verdadeiramente a possibilidade de realizar uma mudança na estrutura sindical brasileira?

E depois dialoga com outra pergunta: porque não construimos uma frente de esquerda, ampla, antifascista, para combater quem está destruindo o Brasil e planificar o caminho para voltar a governar e reconstruir o país?

Um partido de oposição não pode pretender incidir nas políticas de Estado apenas com ações institucionais. Não chegará às bases. Para que isso seja possível é preciso uma ampla frente de luta com um programa de lutas unitário envolvendo os diferentes movimentos sociais.

As forças políticas liberais conservadoras fizeram uma campanha exitosa de desmoralização da política e dos partidos, para impedir a permanência de um governo de esquerda, mais que isso, de um governo desenvolvimentista e soberano. Um risco calculado, mas um remédio arriscado: entregar o governo ao “lumpesinato político” para fazer o trabalho sujo.

E nós, diante disso que deveríamos fazer? Uma luta de resistência, tendo como carro chefe a reconstrução da política. Hoje, estamos sem uma estratégia política. Temos uma meta: ganhar as eleições em 2022.

Campanha eleitoral (obviamente não me refiro as eleições municipais) neste momento é fazer o jogo rebaixado dos que destruíram a política. E, pior, em condições muito desfavoráveis. Bolsonaro está em campanha desde o dia que foi empossado. Não quer descer do palanque porque não tem política e porque seu papel é esse: destruir e distrair a mídia e a oposição com seus ataques e barbaridades.

 

2.Como lutar? Sem querer dar lições e nem apresentar fórmulas magicas, recorro ao passado recente.

Vêm a minha cabeça as lutas nos anos 70, enfrentando o pior período da ditadura militar. Não tínhamos nenhuma perspectiva eleitoral (e nem partidos) mas sim uma estratégia clara: acabar com o regime autoritário, reconstruir a democracia e buscar a parte do “bolo” econômico que deveria caber aos trabalhadores. Os tempos atuais são outros, mas as regras do jogo da correlação de forças não mudam. Divididos e isolados não unimos forças,

perdemos. Em seu artigo publicado no GGN (14/10), o dirigente político Jose Dirceu afirma: “Se observarmos como nossas elites exercem o poder e apelam para as armas ao longo da história, quando seus privilégios estão em risco, entenderemos que não há saída sem a unidade das forças de esquerda e sem a construção de uma força popular organizada para apoiar as reformas estruturais que o país reclama para retomar o caminho histórico de seu desenvolvimento nacional”. Em seguida afirma JD “……nós, da esquerda, temos que construir um acordo sobre as reformas política, social e nacional reclamadas pelo atual momento histórico. Assim, nossas tarefas principais são a unidade e a construção de um programa de mudanças; e a organização de uma força popular para sustentar nosso governo.”

Esse é o momento em que as elites e o conservadorismo liberal afirmaram abertamente seu poder, mesmo que a custa da destruição ambiental e retrocesso científico e cultural. Não falo só do Brasil, somos a parte mais visível talvez. Primeiro destruíram os países do Oriente-Iraque, Afeganistão, Líbia, arrasando com sua economia e sua cultura – países que voltaram aos tempos das tribos em guerra. Só não conseguiram o mesmo na Síria porque a Rússia entrou em cena. Aqui, desde 2013 fazem a mesma coisa, a chamada guerra hibrida, porém gastando muito menos dinheiro e não expondo vidas de seus soldados.

O que a elite brasileira e internacional quer é retomar a construção do Estado Liberal no Brasil, assim como Pinochet fez no Chile. Não é possível fazer essa mudança tão brutal e reduzir o Estado a pó sem a vigência de um governo autoritário. FHC tentou mas não conseguiu. Nós estamos vivendo em uma democracia mitigada, onde há cada dia se perde algo – seja no Congresso, seja no Judiciário, sejam os decretos e MPs. Nossa capacidade de reação è permanentemente tolhida pela enxurrada de problemas e ataques. Quando tentamos responder a algo, já nos confrontamos com novas questões.

O governo Bolsonaro montou um ministério digno de seu projeto. De um lado o liberalóide incompetente do Guedes, que distrai o publico com suas derrapadas e faz o jogo do capital financeiro; mas quem conduz as privatizações é um militar – um dos ministros mais discretos e muito atuante. Por aí passa a maior destruição do Estado brasileiro.

Temos um ministro de meio ambiente que cumpre com esmero sua tarefa de destruir o meio ambiente e literalmente incendiar o país. Atrai todas as atenções ao satisfazer a economia marrom (garimpeiros clandestinos, grileiros, contrabandistas), enquanto a Ministra da Agricultura faculita a expansão da soja e da carne e controla os problemas comerciais causados pelo outro debiloide que está a frente do Itamarati. E os militares prosseguem com seu velho sonho de ocupar a Amazônia. Querem completar a destruição dos povos indígenas que a Ditadura não concluiu. Mas principalmente, querem ter maior protagonismo nos negócios e investimentos.

Tudo isso sem falar dos ataques à educação, que está sob o comando das grandes Igrejas pentecostais mais ligadas à cultura americana . Assistimos a destruição do sistema de saúde, da previdência e de todos os avanços culturais e sociais duramente conquistados. Desde a música, a dança, o esporte até as privatizações e entrega das fontes materiais e imateriais do Brasil, tudo tem o dedo podre de um governo tolerado e sustentado pela elite financeira e econômica nacional e internacional, pela politica de Estado dos EEUU, que não vão mais tolerar que no seu quintal um pais tenha a soberania econômica e politica que o Brasil começou a construir durante os governos petistas. Uma ousadia que chegou ao ponto de se aliar com Rússia e China (que hoje forçam um mundo multilateral) e se aproximar do Iram (isso sem falar no triangulo Brasil, Venezuela e Argentina).

 

3.Para finalizar essa rápida descrição do desastre, falta falar da destruição dos sindicatos e da legislação trabalhista. FHC iniciou a flexibilização da CLT nos anos 90 mas não conseguiu avançar devido à resistência do MST, CONTAG, da CUT e os maiores sindicatos braileiros. Para impor uma politca neoliberal era preciso um golpe que começou a ser montado a partir de 2013.

O governo Temer lançou as bases do projeto que o jornalista Luis Nassif está chamando de “pacto liberal para o Estado Brasileiro”. Suas principais medidas foram o teto de gastos no orçamento, a lei da terceirização, a reforma trabalhista, o ataque aos sindicatos e o esquartejamento da Petrobras e outras estatais. Só não teve força para destruir a Previdência porque a reação foi forte e Cunha foi preso, dificultando o trânsito da reforma no Congresso.

A destruição do modelo político petista teve início com a Lava Jato que desencadeou uma cínica guerra contra a corrupção, para impedir que Lula fosse candidato . Luis Nassif fala, em seu magnifico artigo Xadrez do pacto de Bolsonaro com o Estado profundo (GGN 13/10), que “a liberdade conferida à Lava Jato promoveu uma enorme confusão institucional, colocando sob ameaça as cúpulas dos poderes que constituem o Estado profundo. E a eleição de Bolsonaro ampliou essa confusão. Daí a necessidade da freada de arrumação para refazer o pacto” que é o aparente momento de estabilização que estamos vivendo com as manobras realizadas por Bolsonaro para tornar-se menos toxico à elite.

Bolsonaro tentou armar seu golpe, valendo-se da presença militar no governo e das milícias que cresceram assustadoramente. Suas ameaças contra o Judiciário e o Congresso acenderam as luzes de alerta e estes reagiram.

As ameaças à família palaciana, as seguidas derrotas no Congresso e principalmente o silencio dos militares, mostraram o blefe do capitão. Foi preciso mudar a estratégia. Assumiu a velha política do “toma lá da cá”, aliando-se com as raposas do Centrão que pacientemente souberam esperar; reaproximou-se dos STF e do Presidente da Câmara e livrou-se dos bolsomínios mais queimados e radicais. Para enfrentar o desastre da pandemia adotou a velha política social focada nos setores mais pobres.

Usando ainda o texto de Nassif sintetizo o momento: “O banquete antropofágico que selou a aliança teve a presença de próceres do Supremo, do Tribunal de Contas, do Congresso.

Desenha-se, por aí, o mais ameaçador pacto contra a democracia, porque envolvendo o Estado profundo, o Supremo, o Congresso cooptado e o trunfo político de Bolsonaro: a renda básica permitindo recuperar a popularidade perdida.” Essa é uma previsão bem plausível para a conjuntura dos próximos dois anos. Mas isto se as coisas dependerem só deles. O que não deve acontecer

 

  1. Diante disso, plagiando Lenin, pergunto: o que fazer?

A primeira questão sem dúvida é a necessidade de somar forças – articular as diferentes frentes de resistência. Durante a ditadura, na metade dos anos 70, a estratégia que estava na cabeça de cada militante e cada agrupamento era derrubar a ditadura, lutando de diferentes formas. Depois da tragédia da luta armada e desarticulação dos principais partidos de esquerda, a militância se espalhou e começou a atuar no movimento estudantil, nos bairros, nas favelas, comunidades de bairro, na maioria das vezes utilizando a cobertura da Igreja. Em 1974/75 começa a se formar o MST, que viria ser decisivo para colocar os temas da reforma agraria e da violência no campo na agenda política nacional a partir da década seguinte.

Em 1977, dois movimentos saíram as ruas – os estudantes e a Campanha Contra a Carestia. A vitória avassaladora do MDB em 1974 mostrou a importância de se atuar também por esse instrumento. Em 1979 cresceu o movimento pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, que sensibilizou setores da classe média e permitiu a liberação dos presos e a volta dos exilados.

Em meio a esse processo dois temas importantes desembarcavam no Brasil: o debate sobre novos partidos, trazido principalmente por Brizola sob influência da Internacional Socialista e o movimento Feminista que avançava na Europa e foi trazido pelas exiladas que retornavam.

Ao mesmo tempo o movimento sindical avançava . Em 1977, a inflação estava alta e Valter Barelli, diretor do Dieese, denunciou que em 1973, sob a gestão do Ministro Delfim Neto, a ditadura tinha “roubado” uma porcentagem do INPC e, portanto, todos os trabalhadores tinham direito a essa correção em seus salários. Lula, Joaquinzão, Arnaldo Gonçalves, Olívio Dutra, Jacó Bittar, João Paulo Pires de Vasconcelos e mais um grupo lançaram a campanha que se espalhou pelos sindicatos. As oposições sindicais surgiam e a burocracia sindical começa a ruir. Foi assim que surgiu o Novo Sindicalismo e foram realizados encontros Nacionais como o de Cagroatá em 1979, desembocando em 1981 na Conferência Nacional da Classe Trabalhadora-CONCLAT, reunindo publicamente milhares de sindicalistas em plena ditadura.

Em 1983 se dá o racha da CONCLAT e a fundação da CUT. A divisão foi em torno do modelo de sindicato: sindicatos livres e autônomos, sem as amarras da lei, sem financiamento compulsório e principalmente sem o controle do Estado. As centrais sindicais da socialdemocracia europeia (principalmente França e Itália e depois Espanha) tiveram grande influência nesse processo. E do outro lado a manutenção da estrutura sindical com monopólio de representação e sustentação financeira compulsória. Apoio internacional da velha FSM que começou a agonizar com a queda do muro de Berlim.

Cada vez mais me pergunto: deveriam essas demandas – fim da unicidade e do imposto sindical – ser prioridades sindicais?eram esses os principais entraves da estrutura sindical, ou os limites da negociação coletiva e principalmente a impossibilidade de representação sindical nos locais de trabalho?

A minha hipótese é que a demanda pela Independência Sindical era política e pelas Liberdades Democráticas. A energia represada pelo regime autoritário clamava por espaço de atuação política. A conjuntura favorecia essa luta. O desemprego era baixo, o contingente de mão de obra industrial havia crescido muito, principalmente em setores de ponta, assim como importantes segmentos de serviços como financeiro, telecomunicações haviam multiplicado seu contingente. E mais ainda, as estatais estavam preservadas. Ou seja, havia todas as condições objetivas e subjetivas para o avanço da luta sindical, que obviamente extrapolou o âmbito corporativo e desembocou na formação do PT.

A primeira oportunidade para participar e expressar-se veio com a Constituinte, realizada em 1987 e finalmente aprovada em 1988. Foi eleita uma bancada modesta, mas o movimento de massas amplificou seu papel através das Emendas de Iniciativa Popular.

Foram apresentadas 122 emendas populares, reunindo, em um curtíssimo espaço de tempo (pouco mais de três meses), 12 milhões e 200 mil assinaturas; um fenômeno inédito de participação popular na experiência constitucional brasileira. Nesse momento o contingente de eleitores era de aproximadamente 70 milhões, o que significa que cerca de 18% do eleitorado nacional participou do processo de apresentação das emendas populares.

Mesmo com todas as dificuldades na apresentação e aprovação das propostas, e principalmente sua posterior regulamentação, pode-se afirmar que a Constituinte foi um processo que aprofundou a participação popular, a democracia e criou as condições para que 12 anos mais tarde fosse eleito um operário como Presidente da Republica em representação de um partido de esquerda.

 

5.Em todo esse processo o papel do movimento sindical foi crucial e a vitória do PT não teria sido possível sem essa participação. Durante a Constituinte as centrais sindicais e as Confederações Nacionais do velho sistema, fizeram uma frente com amplo apoio da Igreja e dos partidos progressistas. As emendas dessa frente foram responsáveis pela inclusão dos direitos fundamentais trabalhistas no artigo 7 da Constituição; pelo fortalecimento dos sindicatos e por avanços no setor agrário e funcionalismo público.

Houve apenas uma proposta apresentada individualmente pela CUT, defendendo a liberdade sindical (o fim da unicidade), o fim da contribuição sindical e o direito de organização no local de trabalho. A proposta não chegou à Comissão redatora pois não alcançou o mínimo de 30 mil assinaturas. O fato foi encarado pela direção como falta de empenho dos sindicalistas. Mas não se pode desconhecer alguns fatos. Os que mais defendiam o fim da unicidade eram os grandes sindicatos, que já tinham consolidado seus processos de negociação coletiva e principalmente não dependiam do imposto sindical, (contavam com a contribuição recolhida na renovação da convenção coletiva). Mas, essa não era a realidade da grande maioria dos milhares de sindicatos existentes – mais de 80% tinha menos de 10 mil afiliados. Para esse enorme contingente o fim do monopólio da representação poderia significar o desaparecimento. As leis trabalhistas aprovadas a partir 2017 comprovam isso, registrando-se um severo comprometimento da sobrevivência da maioria dos sindicatos.

Essa rápida retrospectiva deve ser importante para pensarmos como enfrentar o desmonte da estrutura sindical. Obvio que a volta do modelo anterior seria muito difícil, mesmo ocorrendo uma mudança radical do governo e se conseguíssemos uma maioria no Congresso. O mundo do trabalho (se é que se pode chamar assim) é outro. As mudanças que já vinham ocorrendo no perfil das relações de trabalho, se aceleraram com a pandemia, provocando um salto impossível de ser revertido.

A redução do contingente industrial; a forte automação e precarização do trabalho nos setores de serviços e agricultura; os ataques aos trabalhadores das estatais e do serviço público, através da terceirização e privatizações colocam em cena uma outra classe trabalhadora.

Mesmo com a recuperação da economia haverá uma redução dos empregos formais e um forte aumento dos empregos por home office e por tarefa.

Ao mesmo tempo, a pandemia impulsionou muito determinados setores da economia.

Telecomunicações, vendas por delivery, ampliação da financeirização, com o crescimento dos bancos e surgimento do PICX e outras mecanismos financeiros virtuais etc.

Apesar das fronteiras físicas fechadas e um espectro fascista rondar o mundo, o liberalismo nunca esteve tão forte e as empresas transnacionais nunca estiveram tão globalizadas. Nos anos 70/80, em meio ao consenso de Washington avançou a globalização, facilitada pela liberação financeira e o avanço das  tecnologias e da automação. Mas se uma empresa queria investir em algum mercado tinha que se instalar no mesmo e depois ir construindo sua cadeia produtiva.Um investimento que gerava empregos, transferência de tecnologia.

Nos anos 90, com a liberalização do comercio e da circulação de capitais, surgiu a globalização e os blocos regionais. A União Europeia tinha suficientemente força para sustentar seu modelo e os Estados Unidos tratavam de expandir o modelo Nafta para o mundo. O Mercosul surgiu nesse período, mas como ainda dispúnhamos de uma indústria relativamente forte, impôs-se o modelo europeu, a contragosto do setor agrário.

Nova onda de inovação tecnológica permitiu o avanço das cadeias globais que passaram a concentrar sua área de desenho e engenharia nas matrizes e criaram várias áreas de maquila nos países periféricos. Cresceu a terceirização e a quarteirização de produtores em volta dos países centrais (países da Europa do Leste em torno da UE, a América Central em torno da America do Norte; Sudeste da Ásia em torno da China, etc).

Esse processo influiu também sobre as relações de trabalho e os contratos atípicos existentes no mercado estadunidense passaram a ser difundidos. As garantias trabalhistas ficaram submetidas a chamada competitividade que por sua vez está subordinada ao comercio internacional, cada vez mais intra-empresas.

 

6.Na America do Sul, graças a política integracionista da esquerda democrática, o Mercosul avançava e tentava criar um bloco sul-americano. Sem conseguir impor a ALCA os Estados Unidos começaram a implementar os TLCs bilaterais e paulatinamente form esvaziando os espaços multilaterais. A União Europeia, para tentar expandir sus mercados aderiu ao modelo TLC .

A Comunidade Andina de Nações – CAN é praticamente desmantelada; a Venezuela, passou a ser selvagemente atacada e o Mercosul, todos sabemos não se sustentaria sem a força do Brasil. Ainda no segundo governo Lula o Brasil tentou consolidar posição na OMC através do G20 e o governo Dilma apostou mais no BRICS que na região. Em rápidas palavras (porque o objetivo do artigo não é a analise internacional) em 30 anos o mundo sofreu profundas mudanças produtivas, comerciais, tecnológicas que extrapolam as previsões . E a pandemia acelerou esse processo.

Hoje as maiores empresas são globais e da área de serviços. Além do capital financeiro que vai se transmutando sem perder o controle, temos as grandes empresas de tecnologia de informação (Microsoft, Apple, etc) e de atividades de telecomunicações. Empresas que empregam uma minoria altamente qualificada e se utilizam de grandes plataformas de delivery. Nas duas pontas dessas cadeias estão trabalhadores e trabalhadoras de baixa qualificação, submetidos a regimes de trabalho de exploração e sem dispor de garantias trabalhistas, previdenciárias e sindicais.

Mas esse processo gera profundas contradições. Por exemplo as empresas que se constituíram em plataformas de vendas e delivery (Ifood, UBER, etc) passaram as ser as primeiras no ranking global e geraram milhões de empregos precários e sem direitos. Os trabalhadores e trabalhadoras contratados vem se mobilizando em boa parte do mundo e no Brasil realizaram a maior greve do ano. O movimento não priorizou a formalização do contrato, mas sim o aumento do pagamento, o fim das punições e o seguro de acidentes. Alguns sindicatos de motoqueiros participaram, mas o “movimento” não demonstrou interesse em se organizar em sindicatos. Esses segmentos, ao contrário do passado, não sentem que tem algo a perder. Não conhecem uma relação de trabalho regulada e nem esperam se aposentar. É mais fácil organizar uma greve e uma mobilização que pensar em sindicato.

Ao mesmo tempo, o estouro da boiada teve que ser canalizado para uma negociação porque as empresas necessitavam dessa mão de obra .

Tudo isso nos coloca um quadro em que (objetiva e subjetivamente) a defesa da organização sindical é frágil. Ao mesmo tempo há uma enorme massa de trabalhadores e trabalhadoras sem direitos e sem proteção sindical. Como transitar entre essas duas realidades?

Segundo a PNAD a composição do mercado de trabalho atual mostra que entre os ocupados, 41,6% estão na condição de informais (sem carteira assinada) e se incluirmos os trabalhadores por conta própria com CNPJ, que possuem cobertura previdenciária mas não possuem direitos trabalhistas e sindicais, esse contingente não sindicalizável chega a 48,3%. Somando com os 14% de desempregados, teremos um cenário de forte desestruturação do mercado de trabalho.

O número de trabalhadores subutilizados (desempregados, subocupados por insuficiência de horas, força de trabalho potencial) somavam 26,8 milhões no trimestre terminado em fevereiro e chegaram a 30,4 milhões no trimestre terminado em maio. A taxa de subutilização ficou em 27,5% em maio, contra 23,5% do trimestre anterior.

Um estudo realizado este ano pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que 30% das empresas brasileiras devem manter o home office. O trabalho nas residências foi adotado por 46% das empresas, sendo que foi maior no ramo de serviços hospitalares (53%) e na indústria (47%). Entre as grandes empresas, o índice do regime de home office ficou em 55% e, entre as pequenas, 31%.

 

7.Como organizar “sindicalmente” esse enorme volume de trabalhadores “descorporatizados” Sim porque os sindicatos surgiram com as corporações, se essas deixam de existir, os sindicatos tornam-se desnecessários. No entanto o sindicalismo ainda é uma força que pode ser capaz de liderar grandes mobilizações e greves.

Podemos levantar várias questões para responder essas perguntas.

O trabalho home office de funcionários e funcionárias contratados complica, mas não impede a sindicalização, desde que o sindicato saiba quais são suas principais demandas. Por exemplo há 4 ou cinco anos atrás, mais importante que salário e outros benefícios para a categoria bancaria, uma das principais reivindicações era o estabelecimento de metas que aceleravam o ritmo e provocavam vários tipos de enfermidades.

Os terceirizados e quarteirizados – não é um problema novo, apenas se agudizou. É possível que as categoriais prioritárias consigam sindicalizar esses trabalhadores e trabalhadoras? Ou que os sindicatos busquem negociar com essas empresas, tendo em vista que cada dia mais se desmancha o quadro de categorias?

E pejotização e o contrato por tarefa – talvez a melhor forma seja agregá-los ainda que informalmente ao núcleo do sindicato principal.

Desempregados e subempregados – difícil pensar em como organizá-los, salvo através das lutas em defesa das politicas essenciais como saúde, educação, habitação, transporte, segurança e meio ambiente.

Quando defendemos a necessidade de se voltar para as bases e se aproximar “da periferia” (urbana e rural) é preciso entender que isso se dará se os sindicatos assumirem as lutas que lhes interessam. Para avançar e sobreviver como força social é preciso ter uma agenda que extrapole os limites da corporação – assumindo questões que são fundamentais para o desenvolvimento do país (a luta contra as privatização, a defesa da ciência e tecnologia, etc); as demandas ambientais; as demandas politicas e ideológicas, como a educação, o combate ao racismo, a discriminação e a violência contra a população negra e de gênero.

Paro por aqui.