Transoformaçao, crise e "precarizaçao" do direito do trabalho.

22 Janeiro 2020

Transformação, crise e “precarização” do direito do trabalho, na sombra da transformação do direito e do sistema das fontes (1).

 de Gianni ARRIGO

 Sumário.

Transformação e/ou crise do direito do trabalho: causas e fatores, entre a realidade e representação. 2.O direito do trabalho como “direito de organização de empresa”. Competição com o princípio de solidariedade. A alegada mudança das prioridades temáticas da disciplina. 3.Fatores normativos e não normativos da crise (e/ou da transformação) do direito do trabalho. 4.Desterritorialização do direito e privatização dos mecanismos de produção jurídica. Lex mercatoria e direito do trabalho. 5.A difícil procura de um equilíbrio entre mudança e estabilidade. A precarização do direito. 6.Conclusões parciais. Pluralismo e nova (des)ordem das fontes.

  1. Transformação e/ou crise do direito do trabalho: causas e fatores, entre realidade e representação.

1.1 “A crise é uma fiel companheira  de viagem do direito do trabalho”: assim, em 2012, Antoine LYON-CAEN comenta, com as mesmas palavras de quase trinta anos atrás (2), a nova peregrinação da dupla “crise & direito do trabalho”.  A imagem conserva toda a sua atualidade no despertar do terceiro decênio do século XXI, que vê o direito do trabalho enfrentar desgastes progressivos de algumas de suas características fundamentais (3), receando sua “transformação em qualquer outra coisa” (4). A transformação de um direito do trabalho, continuamente à beira de uma crise de identidade, é matéria de interesse recorrente entre os especialistas, a julgar pela quantidade e frequência de contribuições, muitas vezes parecidas entre si e quase sempre determinadas por coletas de dados ocasionais e pouco sistemáticas. A atenção ao tema nutre-se sempre de novas crises e de transformações tecnológicas e organizativas “históricas”, ou melhor, “epocais” que conduzem a mudanças também “epocais” do trabalho e de seu direito, como aquelas atribuídas à “economia digital”. Mudanças percepitíveis e enfrentadas, sobretudo em nosso País, igualmente com atraso “histórico” e com instrumentos pontualmente inadequados.

Na Itália, a atenção ao tema se faz  intensa nos primeiros anos do século XXI, diante das reformas do direito (e do mercado) de trabalho que, apresentadas como necessárias por “aproximar o sistema italiano àquele vigente na Europa e reduzir a lacuna entre a Itália e o resto da Euroland” (segundo um lugar comum sempre exagerado) se revelam antes do tempo inadaptadas ao escopo, mesmo porque não acompanhadas: por outras reformas sociais que, harmonizadas entre si, poderiam determinar os efeitos positivos desejados; por uma política econômica que fomente investimentos públicos e privados e restitua competitividade ao sistema empresarial; “por incentivos decisivos e destemidos para diminuir seja a desocupação juvenil como a  nociva lacuna econômica entre o Norte e Sul da Italia” (5). Sem contar com a fragilidade da situação institucional, isto é, da governance do mercado de trabalho, a cujas deficiências não são respondidas satisfatoriamente, mesmo se a atuação das políticas ativas do trabalho não dependa somente da ordem institucional ou do equilíbrio entre centro e periferia quanto da efetiva capacidade de implementação das políticas, do fornecimento dos serviços e, principalmente, dos adequados níveis de investimento de recursos econômicos. Como de costume: antes, as reformas do direito do trabalho (subespécie da flexibilização das relações de trabalho e desestruturação do sistema de tutela) e, depois, aquelas do mercado de trabalho. 

Este somatório de fragilidades não poupa os procedimentos adotados em sequência pelos executivos que, mesmo definindo-se como “governos de mudança” ou de “mudança de rumo”, terminam por adotar leis em continuidade ou em polêmicas infantis com aquelas emanadas pelos governos precedentes, alternando desregulação e re-regulação em um percurso em zigue-zagues, quando não marcado por idas e vindas.  Distinguem-se neste jogo as modificações das normas sobre o contrato por tempo determinado, sobre a aprendizagem e sobre a demissão ilegítima (6), emanadas com ritmo quase anual e mediante atos normativos do Governo, simplificando procedimentos e práticas consideradas dilatórias (ver infra, §3.2). Neste modus operandi, as próprias Comissões parlamentares competentes acabam não sendo escutadas,  mesmo se depois devam preencher com conteúdos muito genéricos as normas enviadas para serem aprovadas, sem poder evitar que a modesta qualidade da redação de tal “reforma” amplifique o contencioso antes das jurisdições internas e europeias.  Ainda menos envolvidas estão as Partes sociais no desenho completo das ”reformas” e na definição de alguns aspectos fundamentais. A ponto de poder afirmar que, sobre o plano das relações entre Executivo e Partes sociais, “a mudança de rumo” se substancie um comportamento diferente em relação a estas últimas, frequentemente limitados a “sóbrias” reuniões, nas quais não seja retardada a urgência decisória. Aderindo de tal maneira à subcultura da desintermediação, com o consequente redimensionamento do papel das organizações sindicais,

 1.2. Como antecipado, conforme uma opinião difundida, as transformações recentes do direito do trabalho seriam devidas às sucessivas crises cada vez mais estruturais, à transformação da economia no sentido global, com o que esta comporta em termos de competitividade e de diferencial de custos produtivos (daí uma competição de menor preço com os países ditos “emergentes”, mesmo no interior da União Europeia: de agora em diante UE).  E, ademais: à mudança do modo de produzir, que determinou um fracionamento exacerbado do processo produtivo e da empresa; às várias revoluções tecnológicas, sendo a última da informática, que mudou também o significado da figura do próprio trabalhador padrão e das modalidades de sua utilização; ao predomínio dos interesses econômicos como também à gestão jurídica da relação de trabalho, interesses que frequentemente devoram os direitos.   

Menos considerado, ao invés, é o fato de que a transformação do direito do trabalho reflita a evolução do direito no plano geral, por sua vez atravessado por uma “crise de sistema”, como se dirá na continuidade deste texto. Todavia, o fator de mudança mais analisado é a crise econômica.  Como observado, esta se desenvolve de modo repentino, intenso e simultâneo a partir de 2007, contagiando a economia real e provocando uma recessão mundial que muitos comparam apressadamente à “Grande Depressão” dos anos 30, mesmo se esquecendo que as recessões originadas pela crise financeira são mais severas do que aquelas derivadas de outros tipos de shock, como, por exemplo, aquela produzida pelo aumento do preço do petróleo nos anos 70. É desmentida, também, a convicção, maturada em ambientes acadêmicos e políticos, de que nos vinte anos anteriores a economia mundial tivesse entrado em uma fase de “grande moderação”, na qual as políticas macroeconômicas eficazes garantiam elevado desenvolvimento e estabilidade (7).  Pela sua natureza multifacetada (financeira, orçamentária e de economia real) e peculiar (pela duração e extensão), a crise golpeia mais duramente os países “periféricos” da Eurozona; ela é tal que ameaça a configuração normativa da UE  e a “manutenção” de seu modelo econômico e social , que conforme vários especialistas, não suportaria um peso das decisões rigorosas das instituições europeias e dos conflitos nacionais, reais ou somente virtuais, como aquelas entre a Alemanha e os Paises da “finanza alegra”, ou seja, tendentes ao fácil endividamento e à burla das regras da UE (ndt). Ainda que o cenário seja complexo, as diferentes e específicas dimensões geopolíticas da crise são confundidas ou correlacionadas evidenciando somente um único nexo de causa/efeito.

A recessão é, portanto, global e envolve países avançados e “emergentes”. Além disso, desenvolvendo-se em um quadro novo, de economia altamente integrada, atinge sobretudo a indústria e as transações comerciais. Em muitos países, as consequências consistem, em particular, no que diz respeito às condições de vida e de trabalho, em um aumento da desocupação e na deterioração das contas públicas. A “crise é móvel” (poder-se-ia dizer): de financeira e imobiliária torna-se industrial e de mercado do trabalho; de americana torna-se mundial. De fato, ela se transforma de crise da dívida privada em crise da dívida pública: isto é, aquelas acumuladas no passado e aquelas criadas propriamente pelas intervenções realizadas para enfrentar a recessão. 

No que diz respeito à Itália, a crise financeira e real deixa a economia aprisionada a velhos e novos problemas. O endividamento da administração pública cresce rapidamente e agrava uma dívida que já era desmedida antes da crise (8), invertendo, porém, depois de mais de 10 anos, a tendência à diminuição.  Quando se começa a falar de “saída da crise”, os problemas estruturais que caracterizam há muito tempo a economia italiana se recolocam inalterados e, sempre que possível, ampliados pela perspectiva de crescimento reduzido e incerto. Em tal contexto, destacam-se as consequências de um mercado de trabalho há tempos -ainda antes da crise- deprimido e desqualificado reverbera sobre o plano econômico e sobre as condições de emprego e sociais, como também sobre as políticas de trabalho e relações industriais em seu conjunto.

A crise obriga alguns países europeus a começarem e consolidarem (mesmo depois da “saída” da recessão) políticas de austeridade que impõem sacrifícios sobretudo à renda do trabalho e à previdência, bem como às categorias mais frágeis; sacrifícios não sempre “equilibrados em função da capacidade de suporte de cada um” (como anos depois admitirão expoentes de governos nacionais passados e da própria Comissão Europeia).  Sob a pressão de atos, pareceres e pesquisas de autoridades internacionais e internas, que ampliam a urgência de tais medidas, o direito do trabalho é também coagido a uma nova dieta de emagrecimento em alguns países da UE. Na Itália, isso é encaminhado à escrivaninha de alunos indisciplinados pelo menos até quando puderem se livrar  daqueles “laços e lacinhos” que, semelhantes a um “crescendo” de clichês rossinianos, “contribuem para a baixa produtividade e competitividade das empresas e para o declínio econômico do País”. O direito do trabalho tradicional é considerado, então, um obstáculo ao desenvolvimento econômico e aos processos de inclusão social, gerando por si só novas desigualdades (intergeracionais, entre insider e outsider, tutelados e não tutelados) (9).   Seriam corolários de tal percepção teórica de inadequação do paradigma justrabalhista do século XX e, portanto, da necessidade de uma sua transformação: a) de um lado, a crise do tipo de sindicato e seus instrumentos: a concertação social, a própria atividade de negociação coletiva tradicional e a sua projeção mais simbólica: o contrato nacional por setor (para renovar não somente os conteúdos, mas também os procedimentos, talvez até passando das velhas e suadas negociações noturnas, realizadas em um desagradável “face a face” para as mais modernas modalidades online, já utilizadas para os contratos individuais, talvez elaboradas na penumbra dos escritórios profissionais); b) de outro, a insustentabilidade financeira, sem reformas adequadas, do tradicional welfare state, sobretudo no chamado modelo mediterrâneo.

Na realidade, a crise é tão complexa e tem origens e consequências bastante peculiares e anormais, que mais parece surreal atribuir ao direito do trabalho uma tal responsabilidade para justificar a pena imposta, a qual consiste em uma redução ulterior  da tutela do trabalho e, portanto, em uma “alteração”, no sentido de modificação na substância, ou melhor, no conteúdo.  Mas muito mais que isso: velhos e novos atores confirmam a necessidade de adequar a economia, as empresas e o trabalho ao contexto da competição mundial e, portanto, optar por regras mais simples e menos rígidas, começando pelas regras do trabalho, que, além de dificultar a produtividade e o desenvolvimento, causariam insegurança aos investidores e incerteza ao intérprete.    Rigidez para dissolver no conceito de “flexisegurança” (ou flexicurity), muito melhor que a dura “flexibilidade”, parece adequado não somente para superar a resistência à mudança normativa, mas também para garantir uma condição de trabalho digna e satisfatória (decent work).

Todavia, a despeito da imprescindível sincronização (10) dos dois elementos que formam a flexisegurança, alguns governos nacionais (in primis o italiano), começam por enquanto pela flexibilidade externa e pela interna (ou funcional), mais simples para normatizar e, no imediato, menos custosa para o orçamento público, deixando talvez para depois a solução para a dupla “flexibilidade &segurança”, isto é, aquela que dá senso e valor à “segurança da ocupação”: expressão que subentende a segurança garantida a um trabalhador que perde seu trabalho (porque demitido) de encontrar um outro emprego, juntamente com a segurança de receber uma renda neste ínterim.

Da mesma forma, destaca-se que a transição entre diferentes postos de trabalho é facilitada pela ocorrência de certas condições, subjetivas e objetivas, e entre si complementares. As primeiras são relacionadas às capacidades profissionais e às atitudes pessoais, que podem ser adquiridas e melhoradas sobretudo por meio da formação.  As segundas dependem do funcionamento do mercado de trabalho, de sua fluidez, dos serviços de orientação e suporte às pessoas que procuram ocupação, além do conjunto de medidas inseridas entre as políticas ativas do trabalho, para não falar das condições estruturais de demanda e oferta de trabalho, as quais, se desfavoráveis, ameaçam o bom funcionamento e a própria eficácia das políticas de trabalho. Somente a execução de políticas de trabalho destinadas ao reforço de ambos os elementos da flexisegurança pode permitir o afrouxamento das rigidezes normativas pretendidas (sobretudo aquelas idiossincráticas em matéria de demissão) limitando os efeitos negativos em termos de insegurança (que por sua vez produz uma flexinsegurança).  É, por fim, um dado assumido que políticas ativas destinadas para incentivar e sustentar a busca por postos de trabalho possam reduzir a duração da desocupação, freando os gastos a ela relacionados e limitar os riscos de diferentes naturezas coligados à inatividade forçada de pessoas subsidiadas. Mas muito mais que isso: estes preceitos elementares são colocados à margem da agenda pouco linear dos governos que se alternam no Palácio Chigi nas duas primeiras décadas do século XXI. 

1.3. Menos considerado é o fato de que não é somente o elemento econômico-financeiro da crise que se infiltra no tecido do direito do trabalho, que por sua natureza é um direito poroso e, mais que outros, permeável aos agentes de diferentes naturezas.

Observando mais atentamente, a crise do direito do trabalho é, contemporaneamente, o resultado e o espelho de uma crise das muitas faces, que refletem não somente as oscilações do quadro econômico, a revolução tecnológica do trabalho e da empresa, as transformações e/ou a crise da representação sindical e da representação política (com os antigos partidos pró-labour concentrados no papel de “sentinela   do bando de Ortica” (11). Mas refletem, também, a evolução do direito no plano geral, por sua vez atravessado por uma “crise de sistema” intimamente ligada a um mal-entendido “processo de modernização”, com efeitos deletérios sobre a certeza do direito e a manutenção do sistema democrático.

 

  1. O direito do trabalho como “direito de organização de empresa”. Competição com o princípio de solidariedade. A alegada mudança das prioridades temáticas da disciplina.

2.1. As reformas de trabalho adotadas em alguns países da UE, a partir dos anos 90, para neutralizar os efeitos de ilimitadas novas crises, servem de “monitores” da produção legislativa  mais recente, segundo uma continuidade “de processo” que une os remanescentes a aqueles emanados quando a poeira da crise parece se baixar.  Prova-se, com efeito, “um senso de “déjà vu ou déjà entendu”(12) ao constatar que as mudanças do direito do trabalho registradas no novo século, por profundas que sejam, se inscrevem em uma sequência linear de transformações começadas há tempo na Espanha, na França, na Itália ou em outros países “periféricos” da UE.  Não por acaso, há pelo menos 30 anos, a doutrina faz refletir sobre a relação entre crises e emergências econômicas e transformações do direito do trabalho (13), confrontando, todas as vezes, mudanças mais recentes com aquelas remanescentes de anos atrás, como um jogo de espelhos que multiplica a mesma imagem reduzindo progressivamente o perfil.

Apesar da diversidade genética e material das crises que se sucedem no tempo, as respostas de alguns decisores nacionais não variam muito, afetando in primis o direito do trabalho, como foi registrado na Itália.

Esta operação redutora depende em parte relevante da tendência, sempre mais presente nas “agendas” de governo, que consideram o direito do trabalho como um sujeito necessário para as contínuas e necessárias reformas ou para de sucessivas adaptações normativas, que consintam melhor responder às mutantes e mutáveis exigências da empresa e da economia, como faria um honesto “droit organisateur de l’entreprise” (14) consciente de viver em um sistema jurídico, no qual a propriedade privada e o livre mercado gozam de uma posição privilegiada entre os valores com os quais se deveriam identificar o Estado e, portanto, prioritária em relação aos direitos sociais e aos direitos de trabalho. Com o resultado de fazer desaparecer, na Italia, a percepção da República como “uma classe de risco homeogênea” (15) e com ela a disponibilidade dos conssociados de inspirar as condutas uns dos outros em espírito  de solidariedade. Enquanto se desestabiliza o sentido de identidade baseado no compartilhamento comum do interesse geral, cresce o preconceito de que o aumento das desigualdades sociais possa se introduzir na atualidade do Estado constitucional de direito, na parte em que parece estéril ou pouco eficaz a força conformadora de normas-princípios como, em particular, o direito ao trabalho, a dignidade humana e social, a igualdade (16)  e, de fato, a solidariedade.

A este propósito, é mister observar que o princípio da solidariedade vincula, certamente, os cidadãos a seus deveres, mas sobretudo submete o Estado e o legislador. A solidariedade não é um princípio genérico, mas como afirmou a Corte constitucional (sentença nº 75/1992), “um princípio que, comportando a conotação originária do homem uti socius, é colocado pela Constituição entre os valores fundantes do ordenamento jurídico, tanto para ser solenemente reconhecido e garantido, junto com os direitos invioláveis do homem, conforme o art. 2 da Carta constitucional, como base da convivência social normativamente prefigurada pelo Constituinte”. Este princípio, portanto, não tem somente um valor descritivo: não é uma esperança nem um objetivo a alcançar, mas tem um valor prescritivo e obrigatório sobre os múltiplos aspectos da vida social: a saúde, o ensino, a previdência, o acolhimento a imigrantes, à liberdade de consciência. E o trabalho: sobre o qual se funda a República e constitui a primeira fonte de dignidade da pessoa. Na Constituição são muitas e evidentes as ligações entre direitos e solidariedade. Esta é colocada entre os princípios fundamentais, mas percorre o texto inteiro indicando prioridades, como explicou a Corte constitucional com a sent. 275/2016 (17), pronunciando-se sobre a relação entre o princípio de cobertura financeira e de equilíbrio da finança pública (ex art.81, Const) e as garantias constitucionais, sobre os quais repousam os recursos  destinados aos direitos incomprimíveis, e resolvendo tal problema em favor destes últimos, acolhendo a tese prospectada pelo juiz a quo, para quem a importância constitucional do direito em objeto constitui um limite intransitável à intervenção discricional do legislador, assim como o núcleo de garantias mínimas para torná-lo efetivo deveria ser assegurado, além de todas as exigências orçamentárias, garantindo certeza, estabilidade e obrigatoriadade de financiamento. A repetição de tal impostação são as argumentações e os chamamentos a alguns precedentes jurisprudenciais significativos que a Corte utiliza para esclarecer como as operações de balanceamento, baseadas na pura e simples subtração matemática de recursos destinados a dar conteúdo econômico a direitos fundamentais, não são senão atos arbitrários e, portanto, censuráveis. A orientação da Corte constitucional emerge com maior nitidez quando afirma incisivamente que “é a garantia de direitos incomprimíveis para incidir sobre o orçamento, e não o equilíbrio deste a condicioná-lo ao provimento devido” (sent. Nº 275/2016) (18).

 Trata-se, portanto, de normas que oferecem um “horizonte de sentido” às mesmas instituições democráticas, encarnando finalidades primárias e irrenunciáveis para as quais devem tender todos os sujeitos institucionais; e entre estes o legislador. 

A centralidade da constituição permanece, portanto, um argumento útil para interpretar os fatos existenciais do direito do trabalho durante e depois da longa crise. Isto significa, de um lado, ter presente o modelo político-social esboçado pelos constituintes e, de outro, afirmar que isso não é somente o fruto de uma escolha político-ideológica datada, filha de uma comunidade que se levantava das escórias morais e materiais da guerra, mas é (e permanece) o receptáculo dos perfis essenciais de uma democracia constitucional, que se apresenta como uma das mais maduras realizações da civilização jurídica europeia (19). 

2.2. A transformação do direito do trabalho, mesmo  em razão da  natureza multiforme da crise, não segue um binário único, mas prossegue ao longo de duas direções opostas e especulares. Por um lado se manifesta como uma inversão da direção de desenvolvimento, seguida pelo direito do trabalho na Itália republicana, que conduziria a uma completa reescritura dos principais capítulos da disciplina. Sobre uma outra vertente ela se apresenta, como exigência de confirmação e do paradigma originário, para demonstrar a incompatibilidade do modelo mercadista – e de suas derivações justrabalhistas – com  a impostação  da mencionada democracia constitucional.

Mas não basta: no ponto de viragem entre as duas vertentes avançam posições medianas que, com maior ou menor convicção, propõem mudar algumas características do direito do trabalho para adaptá-las aos novos fenômenos econômico-sociais. Mesmo divergindo entre si nos pontos de partida e no modo de proceder, estas últimas posições encontram uma fonte comum de inspiração e uma finalidade comum na necessidade de modernizar a base e suavizar os contornos da disciplina e de repensar profundamente o Estado social em sua ‘classica’ configuração.

O mercado como valor, e por consequência a sua defesa na e da crise, torna-se o cerne sobre o qual repousa a alavanca que serve para rever o paradigma originário da disciplina: não para cancelá-lo, mas para convertê-lo à modernização por meio de uma operação que, para não se reduzir a uma maquiagem  superficial, deve comportar um alargamento dos horizontes da disciplina, com a ajuda da análise econômica do direito. Muda, necessariamente, a representação da relação entre liberdade e igualdade (20). A primeira adquire maior relevância e dá suporte à  segunda, projetando uma luz mais forte sobre o indivíduo, que não seria mais e somente um sujeito em desvantagem e carente de tutela, mas também um indivíduo capaz de escolher autonomamente e de procurar não somente tutelas, mas também oportunidades (21). Com consequências inevitáveis sobre parâmetros interpretativos, sobre o balanceamento do direito à igualdade substancial, juntamente com outros de alegada e equivalente relevância.

A lista de prioridades temáticas da disciplina muda, portanto, gradualmente, mas de modo irreversível. Perde pontos a defesa (mais ou menos  corajosa e convencida) da estabilidade beneficiando o abrandamento dos vínculos. A autonomia individual suporta e supera a autonomia coletiva nas zonas altas da classificação. É promovido o contrato individual e cai em direção às zonas baixas da graduatória o dogma da inderrogabilidade. Finalmente, é esperada uma intervenção somente subsidiária do Estado (não mais Árbitro, mas somente “Assistente VAR?), onde as partes não haviam produzido as regras autonomamente.  

À valorização do mercado corresponde, quase de maneira automática, a mudança de sentido e de perspectiva da tutela.  De “estática” (esquecendo que a tutela, por definição, nunca pode ser estática…) ela se torna “dinâmica”: “da tutela do posto de trabalho à tutela no mercado de trabalho” é a figura do itálico programa de flexisegurança. Neste sistema virtuoso (no discurso, mas de fato pobre de recursos econômicos e humanos), a tutela do trabalho deve parar de “identificar-se com o direito de não ser demitido”, para traduzir-se em uma garantia efetiva de mobilidade da ocupação sem interrupção” (22). Sobre a firme mesa de sinuca do mercado de trabalho, é lançada a bola da tutela do trabalhador ilegitimamente demitido: uma vez recusada a reintegração ao bater na borda da mesa, a demissão  deve encontrar um ressarcimento econômico, como consequência de uma simples falha contratual, até cair, se possível, em um “buraco”/caçapa ocupacional (a menos que seja uma “sinuca internacional”, melhor conhecida como “sinuca sem buracos” ou bilhar francês).

Ora, a modernização da disciplina não pode se basear somente no valor e no modelo do mercado (à espera de construir um mercado de “trabalho-modelo”). Uma alavanca mais moderna é aquela que repousa sua mudança e sua ampliação na esfera das relações e dos sujeitos que o direito do trabalho deveria tutelar. Neste renovado caminhar mantém relevância, em termos de princípio, a marca garantista e o fundamento solidário da igualdade; mas esta última absorve novas determinações relativas ao quadro constitucional originário, no sentido de orientar-se para a valorização das diferenças (sem trair a luta contra as discriminações, segundo o direito da UE) e contempla com aliviado estado de ânimo a liberdade, entendida, como já antecipado, como chance de realização dos diversos projetos de vida” (23).

Solicitada pela passagem à chamada sociedade pós-industrial, a disciplina amplia, portanto, seu âmbito material e corrige sua vocação originária, pelo menos nos contornos e nas formas de cumprimento. Neste proceder, os retratos de algumas velhas “duplas rivais” (como subordinação/autonomia e estabilidade/precariedade) tornam-se mais desfocados, enquanto se torna mais nítido o nexo entre a satisfação garantida da necessidade do sujeito e o seu operar socialmente útil (24). 

 

  1. Fatores normativos e não normativos da crise (e/ou da transformação) do direito do trabalho.

3.1. Na Itália como em outros países, as reflexões sobre a crise do direito do trabalho concentram-se principalmente em torno das seguintes questões: se é verdade que a crise econômica e as mudanças tecnológicas e organizativas condicionam a produtividade e a competitividade das empresas e o próprio funcionamento do mercado de trabalho, qual responsabilidade tem o direito do trabalho nestes fatos, e qual deveria ser o seu papel? É a economia a sofrer a influência do direito do trabalho ou não é verdade o contrário, e isto é  que é a economia que tem progressivamente “colonizado” o direito do trabalho (25)? As respostas a tais questões, em geral, não superam o espaço das relações entre tecnologia e trabalho, e entre economia e direito. O prenúncio sempre renovado é que o direito do trabalho se “moderniza” para “responder aos desafios impostos pela mudança do paradigma econômico e tecnológico” (como diz um chavão bastante usado) e para poder antecipar e governar, portanto, as sempre iminentes e profundas mudanças induzidas sempre pelas mais novas tecnologias e sempre pela mais absorvente globalização dos mercados (26).

Menos explorada é a relação entre crise do direito do trabalho e crise do direito e da legalidade (27).

E ainda, a partir de um olhar mais geral, parecem em crise propriamente o princípio de legalidade e o princípio de certeza do direito; que além do mais têm evidentes e profundas ligações com a “crise do Estado de direito”. E que influenciam, ao menos em medida semelhante àquela de outros fatores, a estabilidade e a certeza do direito do trabalho. A crise destes dois princípios dependeria, sobretudo, de dois fatores comuns a ambos. De um lado, o caráter multinível da chamada governance (termo, não por acaso, do universo empresarial  que fez seu caminho na linguagem jurídica como conceito oposto àquele de governement, favorecido em tudo pela perda de efetividade do sistema decisional desenhado pelas constituições nacionais, e comumente entendido como “dinâmica do fazer, do governar juntos”) (28), que teria reposicionado a lei dentro de um sistema articulado e complexo de fontes, no qual âmbito assumiriam maior relêvo as fontes transnacionais e aquelas da UE, tornando mais duvidosa  a  escolha  das regras para serem aplicadas em casos concretos. De outro lado, a crise da ciência e da técnica juridica, com a consequência de que, em uma “sociedade de risco” (29), como seria aquela atual, adquiririam maior peso de um lado as formas de soft law (termo que alude a uma certa superação do papel da hard law, ou seja, o direito proveniente das instituições políticas) (30), às quais surgem das relações entre governo e técnicos capazes de empobrecer o peso das assembleias eletivas, e de outro lado tornariam as regras produzidas mais vagas e provisórias, além de tudo, sujeitas a contínuas revisões. É também por razões já citadas que a incerteza das regras parece ser mais regra que exceção; com a consequência de que, à medida em que o direito (escrito) se torna mais incerto, cresce a importância do papel do juiz e, em geral, do intérprete.

O caráter provisório da lei não favorece a eficácia e a confiabilidade das normas trabalhistas, como demonstra o ordenamento italiano sobre flexibilidade “na entrada e na saída”, que obedecendo a uma espécie de mimetismo batesiano se tornou também ela muito flexível enquanto remanejada com cadência quase anual, como se fosse um novelo de normas que somente a casta de consultores e especialistas empresariais parece em condições de desembaraçar.

Aos citados fatores acrescentam-se aqueles, já referidos, representados pela crise da representação política e sindical.

 3.2. Complexidade e provisoriedade da legislação, de um lado, e baixa qualidada das normas, de outro, são um mal-estar crônico do ordenamento italiano, como demonstram as leis mal redigidas, irracionalmente modificadas, contentoras de disposições pouco coerentes entre si e com o ordenamento jurídico, e negligentemente estratificadas. A este mal-estar, que abala a efetividade da legislação do trabalho, contribui não pouco (como já citado) o protagonismo do Governo na ação legislativa, seja por meio do uso intensivo de decretos de urgência (31), não sempre justificados pela exigência de necessidade e urgência, seja por meio de um progressivo aumento do recurso à “Delega Legislativa”, ou seja, leis e decretos que os governos delegam para legislar, estabelecendo critérios e orientações gerais (ndt) (32), usada frequentemente como modalidade normal de produção jurídica (33).

A finalidade mais evidente consiste em superar os obstáculos inerentes ao procedimento legislativo, por sua natureza prolongada e complexa e caracterizado pelo risco que a dialética parlamentar leve à falta de aprovação da iniciativa ou à modificação substancial das linhas pré-definidas. O limite mais evidente  deste modus operandi é que instaura e consolida substancialmente uma relação de tipo político entre Governo e Parlamento, que não só não convém à qualidade (e, portanto, à eficácia) da norma, que graças a estas anomalias se torna superabundante e pouco legível, mas também não favorece a evolução de um ordenamento jurídico (34). 

 3.3. A transformação do direito do trabalho, propriamente em razão da amplitude do tema, presta-se a ser estudada sob diversos perfis, suscitando muitas questões: a) aqueles não normativos, terreno privilegiado e  ilimitado de pesquisas de economistas e sociólogos, pois se referem às transformações do trabalho  e da empresa determinadas pela difusão na escala global das tecnologias da informação e da comunicação, que interconectam não somente os mercados mundiais de bens e capitais, mas também aqueles das ideias, das competências e das profissionalidades, conduzindo a capacidade de inovação, competitividade e concorrência internacional em direção a níveis sempre mais altos.  A esta enésima  revolução se junta  a nova economia digital que, ulteriormente transforma a produção de bens e serviços, sua distribuição e os estilos de vida e, portanto, os modelos organizativos e produtivos das empresas; b) aqueles normativos e institucionais, internos e externos ao ordenamento jurídico nacional, relativos às transformações do direito no  plano geral e de suas fontes, além das pressões das instituições financeiras e monetárias supranacionais e internacionais.

As citadas questões atravessam horizontalmente o direito do trabalho. A estas a jurisprudência pode dar somente respostas parciais. Atrasam, ao contrário, ou são totalmente inadequadas, as soluções, de mais longo prazo, dadas pelos governos em vários níveis, para construir um ambiente mais sustentável e confiante ao “direito do trabalho do futuro”, necessariamente focalizado na tutela da dignidade da pessoa(35).

 

  1. Desterritorialização do direito e privação dos mecanismos de produção jurídica. Lex mercatoria e direito do trabalho.

4.1. As mudanças que afetam ao direito do trabalho dependem, como já dito, dos avanços que  caracterizam o estado, a economia,  a sociedade e as fontes do direito; e a própria Constituição. A tal propósito, é importante recordar que no século XX, em vários países, o direito do trabalho teceu seu destino com o direito constitucional, a ponto de parecer que ambos eram destinados a reforçar-se reciprocamente e, certamente, de não enfraquecer um ao outro, além de tudo com um objetivo muito frágil de conseguir resultados macroeconômicos significativos no curto-médio período (36), mesmo com o custo de ver os direitos fundamentais balanceados (e, portanto, limitados) por razões orçamentárias. O que estaria (e está) em aberta contradição com o valor e com o sentido de uma constituição. Todavia, como o direito do trabalho, que já há anos se encontra sob a ótica de organismos econômicos e financeiros internacionais e europeus, também o direito constitucional de alguns países “periféricos” da zona do Euro também se torna objeto de análise nos primeiros 20 anos do novo século, pois é considerado por institutos e observadores, internos e internacionais, um fator de desequilíbrio macroeconômico pelos países da “periferia” e do “centro”.

Encarado por este ângulo, o tema adquire crescente interesse no decorrer do Século XXI, que restitui a imagem de um direito do trabalho em contínua mudança à sombra da transformação do direito e do sistema das fontes.

Sempre mais frequentemente se fala de transformação das fontes de direito. Em cada contexto organizado, a sociedade muda suas escolhas de fundo, enquanto a ordem jurídica que deveria “revesti-las harmonicamente, ainda que pensada e resolvida com as soluções de ontem, vem abalada” (37); com o risco de um declínio do direito, ou seja, um descolamento entre normas e formas jurídicas, de um lado, e substância econômico-social de outro.

A transformação do direito destaca-se sobre o plano jurídico geral, por um lado, como efeito de mudanças sociais, econômicas e políticas e, por outro, como fonte e causa das mudanças sociais, econômicas e políticas. Sem negligenciar as mudanças do direito que não produzem transformações sociais, econômicas e políticas esperadas. Este último comentário caracteriza as políticas de trabalho que, anunciadas (sobretudo na Itália) como portadoras de fecundos resultados em termos de quantidade e qualidade da ocupação, em especial a favor dos jovens, traem a expectativa resolvendo-se , na maioria das vezes, com uma sequência simples de ajustes relevantes essencialmente no plano estatístico e significativos somente no plano do consenso midiático/eleitoral.

A transformação (e/ou a crise) do direito provoca inquietude nos juristas e falta de orientação aos cidadãos. Este estado de ânimo surge das incertezas produzidas por um sistema globalizado, onde as forças de proteção social  enfrentam com armas desiguais aquelas do domínio dos mercados, produzindo assim uma nova necessidade de segurança jurídica, ou seja, própria daquela certeza e previdibilidade da ordem legal que, em princípio, continua a conotar ontologicamente o Estado de direito. Como antecipado, a provocar incerteza e inquietude é, em particular, o fato de colocar em discussão o monopólio do direito que caracteriza(va) o Estado moderno. Isto não significa que o Estado tenha cessado de produzir direito, mas mais simplesmente, que não é mais o Estado a dispor deste poder em modo pleno e exclusivo (38).

 4.2. Quanto às mudanças que se registram no contexto jurídico da UE, e àquelas que isso determina nos ordenamentos internos, basta recordar que o citado contexto jurídico é caracterizado por um “ordenamento constitucional” que se rege por valores materiais, não codificados no sentido formal, derivantes da interação de três níveis: constituições nacionais, direito da UE e normas da Convenção para a Defesa dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Cedu) (39). Esta arquitetura de três níveis submete o sistema jurídico a tensões diversas em relação às fontes e à organização constitucional de um estado.

De um lado confirma-se a influência do primado do direito da UE, com a tarefa de aplicação direta pelos  juízes, compreendidas aí as decisões da Corte de justiça às quais são reconhecidas como fonte do direito.  Destacam-se neste contexto, não somente as normas europeias, depois transformadas em normas internas por meio da transposição das diretrizes, mas também, todas as normas europeias relevantes, como as normas dos tratados, dos regulamentos, das diretrizes, as normas internas de derivação europeia e, sobretudo, os princípios de direito elaborados pela jurisprudência da Corte de Justiça da UE.  Que induzem, quando não obrigam, às positivas transformações do direito interno, especialmente dos Estados neossócios da UE, como acontece no âmbito do direito antidiscriminatório e dos direitos relativos ao “envolvimento” dos trabalhadores nas decisões da empresa (com avaliações diferentes, ao invés, relativas ao direito de greve e à contratação coletiva). A retomada do direito pela União representa, entretanto, além de uma tentativa de superação dos direitos nacionais (não apreciado, pois não entendido pelos chamados soberanistas e/ou populistas), também uma tentativa, ainda que parcial, de “dominar” a “globalização”. 

Propriamente neste plano, e considerando o respeito aos critérios econômicos-financeiros, certamente rigoroso e doloroso, mas necessário, é preciso considerar as transformações do direito induzidas nos sistemas jurídicos de muitos Países pela seção do direito da UE conhecida como “constituição econômica”. Neste sentido, um importante fator de mudança no sistema italiano foi representado pela constitucionalização do princípio do equilíbrio orçamentário, consequência da crise financeira de 2007 (40), que incontestavelmente constituiu um “ponto de viragem histórico” para os perfis do direito constitucional (41) e para o próprio direito do trabalho. Com a advertência não supérflua de que os vínculos dos quais se exige o respeito foram negociados e aceitos pelo Governo italiano, assim o vulnus à soberania política nacional parece realmente pouco justificado.

Ao observar atentamente a incidência do direito europeu sobre os direitos internos dos Estados, pode-se concluir que o Estado não está em crise, contudo está investido por um processo de transformação que se refere aos conteúdos de sua ação.

De outro lado, o caráter “superlegislativo” do direito da Cedu age juntamente com a obrigação de interpretação do direito interno em conformidade com a Convenção (não sempre distinguível de modo claro  da aplicação direta da Cedu) (42). Este último aspecto coloca interrogações múltiplas e ainda mais evidentes, quando sujeitos executores externos ao sistema judiciário nacional (como a Corte Edu) estão em condições de produzir decisões de efeito imediato ou mediato sobre o direito interno, que pode ser significativamente modificado (43)..

Mesmo se tais mudanças não determinarem uma “desconstitucionalização” das Cartas Fundamentais dos Estados (44), contudo, na ausência de uma codificação Constitucional europeia, elas produzem desequilíbrio que incidem sobre o princípio de certeza do direito e induzem alguns a falarem de uma crise da legalidade (ver supra. § 3.1).

 4.3. Ao acompanhar o crepúsculo da exclusividade e da impenetrabilidade do ordenamento estatal são as estratégias políticas, econômicas ou sociais, que redefinem o princípio de territorialidade beneficiando a indiferença pelo estado físico ou da passagem ao não-lugar (45). Isso se torna relevante sobretudo pela quantidade e pela exatidão da regulação colocada pelas fontes não nacionais. A relação entre direito, território e população ali residente, portanto, redimensiona-se ou assume novas formas. 

Os efeitos sobre a disciplina e sobre a tutela do trabalho não são de pouca importância, em consideração à relevância que historicamente assumiu a fonte nacional-estatal do direito do trabalho, e de sua eficácia dentro dos limites nacionais.

Ao lado dos desenvolvimentos do direito internacional e supranacional como fatores normativos de crise do direito nacional, outros fatores movem-se em tais direções. O maior peso assumido pela lex mercatoria (vide infra, § 6) e pela globalização, que acentua o processo de transferência de poderes dos Estados aos mercados, induz a refletir sobre as transformações de sentido às quais  se submete o direito em sua relação com o território.  De fato, a globalização opera no sentido de favorecer e reforçar a capacidade dos mercados de comunicar e interagir entre si para ampliar e faciliar as trocas, provocando de tal modo reviravolta das relações tradicionais entre direito, mercados e territórios. Não seriam mais os Estados – e a sua soberania no sentido tradicional do termo – a definir a ordem jurídica do mercado, determinando uma dependência necessária deste último aos primeiros, mas são os mercados que se “libertam” da sujeição dos Estados e definem para si as próprias regras, os próprios estatutos jurídicos (46) sob o signo da informalidade das relações jurídicas.

É a própria natureza dos mercados a produzir regras jurídicas que não são um objeto acabado, mas um produto em contínua definição. Os novos modos de padronização dos mercados, portanto, não coincidem necessariamente com a soberania dos Estados nem têm necessariamente caráter público. Com o acréscimo de que, quanto mais o poder normativo muda dos Estados para as forças econômicas, tanto mais cresce a tendência à privatização dos mecanismos de produção jurídica. E à individualização das relações sociais e jurídicas. Marginalizando o papel das relações industriais e dos direitos coletivos. Este aproximar-se do limite entre fontes de produções normativas públicas e privadas é totalmente vantajoso para a segunda e acentua a confusão entre o direito e os interesses econômicos.

 4.4. São, portanto, vários os âmbitos de produção normativa subtraídos (na Itália como em outros países) do poder legislativo do Estado, que de cima sofre a influência da atividade das organizações supranacionais, das instituições da globalização, da lex mercatoria, e de baixo a influência das autonomias regionais e locais e dos grupos sociais (47).   Esta “sobrecarga jurídica” (48), produzida pela coexistência e pela competição de velhas e novas fontes do direito, de velhos e novos sujeitos jurídicos, de velhos e novos institutos e de novos modos de funcionamento dos mesmos, não conduz decerto à qualidade e à eficácia das leis.

Enquanto se prossegue em direção a um direito “escrito a muitas mãos” (não necessariamente pelas instituições, sem necessidade de respeitar procedimentos institucionais ou de “lavar suas roupas no Rio Arno”, ou seja, passar por uma “benéfica” purificação (ndt) é lícito perguntar quem seja e quem aja realmente enquanto garante  das regras e dos direitos. A pergunta é de vital importãncia para a tutela dos direitos humanos e fundamentais e, portanto, para o próprio direito do trabalho, diante da crescente tendência à “mercificação”, ou seja, reduzindo tudo à mercadoria, até o trabalho humano (ndt), que acompanha a constituição de um mercado global. Trata-se, em suma, de saber se e como é possível governar esta tendência e “humanizá-la” com referências éticas e com escolhas de valores,  convém ressaltar,  sobretudo para tutelar a segurança e a dignidade das pessoas, em qualquer condição e em qualquer território em que se encontram; mas também para salvaguardar o ambiente, para conferir aos mercados, às mercadorias, aos serviços, às prestações que estes fazem circular, os requisitos necessários de aceitabilidade e sustentabilidade (conforme um termo que finalmente entrou no sentimento comum, mas que ainda se encontra desprovido do vigor necessário).

Estas solicitações apresentam questões de igual importância: notadamente aquelas relativas à transmissibilidade em âmbito global dos princípios como a divisão, a transparência e a responsabilidade dos poderes; questões fundamentais, mas infelizmente à espera de respostas satisfatórias (49).

 

5.A difícil procura de equilíbrio entre mudança e estabilidade. A precarização do direito.

As mudanças do direito, justamente porque coligadas às transformações das relações sociais, jurídicas, econômicas e políticas, tendem a tornar-se mais frequentes e rápidas. Elas não se limitam a investir em cada disciplina material, mas induzem também a uma mudança de pesperctiva que compromete a procura por um equilíbrio entre mudança e estabilidade.

A falta de estabilidade e de certeza e cognoscibilidade das fontes, é um distúrbio que aflige muitos ordenamentos, não somente o italiano. E interessa de perto ao direito do trabalho.  Tal mal-estar, que por assonância com renovadas patologias do mercado de trabalho italiano podemos definir “precarização”, compromete a qualidade dos enunciados normativos tornando-os mais complexos e obscuros e torna mais difícil a aplicação das normas segundo métodos e esquemas interpretativos consolidados. Esta precarização é expressão dos contrastes que atravessam o mundo do direito, como o contraste entre a tensão em direção a “normas certas e estáveis” e a dificuldade dos produtores de regras jurídicas de dar estabilidade e garantir confiabilidade a um direito que parece perder os elementos que lhe garantem a permanência no tempo. No direito do trabalho não são poucos os casos de tal precarização.

Um direito precário (50), frágil por definição, abala a confiança dos cidadãos. A exigência de confiabilidade não contradiz a possibilidade de uma revisão do legislador (51), afinando oportunamente procedimento e técnica, quando se torna evidente que certas mudanças normativas não são mais “necessárias” como pareciam no momento de sua adoção, mas, ao contrário,  se demonstraram contrapoducentes: não somente porque não atenuam as consequencias da crise e não sustentam as transformações organizativas e produtivas, mas porque prejudicam os interesses das empresas e os direitos dos trabalhadores. Sobretudo quando impedem a promoção e o desenvolvimento daquela “força de trabalho competente, qualificada, adaptável, em grau de responder às transformações do mercado de trabalho” como recomenda o legislador da União Europeia (cf. L’art. 145, TFUE). 

A “incerteza” do princípio de certeza encontra raízes frescas na dinâmica das transformações que caracterizam a realidade atual, e que no plano político alimentam às vezes de modo urgente a necessidade de um “governo de mudança” que “em nome do povo” governe tais transformações e mude a “direção” daquela dinâmica. Fenômeno, este, que em nosso País se traduz, nos primeiros 20 anos do século XXI, em programas de governo de perspectiva míope e, pelo que nos interessa, em políticas de trabalho pouco receptivas às mencionadas exigências de confiabilidade.

Uma reflexão sobre processos de mudança do direito de trabalho requer, certamente, hoje mais que no passado, um aprofundamento das relações entre direito e economia. Mas exige também uma reflexão mais atenta sobre o papel dos juristas frente às mais profundas e diretas dinâmicas econômicas, financeiras e políticas. Ademais, na presença de um quadro da representação política (e, portanto, do papel do Parlamento e do Governo) que parece assumir, não só na Itália, perfis novos e pouco tranquilizantes.  É um dado de fato que a recomendação de que o jurista preserve espaços de independência de reflexão livre e crítica respeitando  às opiniões de cada um (52), perca vigor e força diante do pedido de um sempre maior “alinhamento”, unido a uma eficiência a um crescente tecnicismo, enrijecendo ulteriormente as relações entre direito e economia (53).

 

  1. Conclusões parciais. Pluralismo e nova (des)ordem das fontes.

O direito muda, portanto, em cada ordenamento, mesmo com a contribuição dos sujeitos e poderes diferentes que operam ao interno e ao externo de cada Estado. Já se acenou às transformações de forma e conteúdo derivantes da “globalização” das fontes (54), pela expansão da função jurisdicional (55), pela presença contemporânea de um nível internacional/supranacional e de um nível nacional que se influenciam reciprocamente (56); e que obrigam os Estados, ao reconhecerem os direitos cidadãos colocados por fontes ulteriores, a tornar os próprios ordenamentos coerentes com tais normas, em muitos casos resolvendo conflitos normativos (57).

O sistema herdado da tradição juspositivista (58) deve, portanto, lidar com o afirmar-se de novas fontes e novas modalidades de produção do direito, em razão do pluralismo jurídico que reflete a tendência dos regimes regulatórios a estimular uma ampla tipologia de normas emanadas por múltiplas fontes. 

Muda, portanto, o retrato do ordenamento jurídico: ao princípio de hierarquia, simbolicamente representado pela pirâmide (“o direito da pirâmide”), adiciona-se a fotografia instantânea de uma rede soft e policêntrica (o “direito da rede”) (59), no âmbito do qual as normas se formam segundo uma lógica plural e difusa. Nesta “foto de grupo” não se destaca, portanto, um novo modelo de direito que prejudique aquele de matriz estatal, mas muito mais a coexistência das duas estruturas normativas que alternam fases de recíproca contaminação a fases de competição e de conflito (60).

A lex mercatória é talvez o fator mais significativo nas relações etre direito e globalização. Este direito, ainda que descrito como “sem estado”, propriamente e sobretudo pelo fato de que seus sujeitos-príncipes não são os Estados ou as organizações internacionais, mas  os próprios operadores econômicos do comércio internacionais, os quais se tornam ao mesmo tempo fonte e destinatário daquelas regras (61), serve para regulamentar relações contratutais e extracontratuais com elementos de internacionalidade, em geral para conclusão de contratos de compra e venda, financiamento, subcontratação, transporte e sistemas de pagamento internacionais (como exemplo, nos setores de crédito, dos transportes de mercadorias ou pessoas, de seguros e, mais recentemente, nas transações comerciais sobre plataformas, com efeito, portanto, sobre contratos de prestação de trabalho e serviços por meio de plataformas online).

Propriamente pelo fato de originar e difundir-se de modo espontâneo e alternativo ao direito nacional sem mediação do poder legislativo dos Estados, a lex mercatoria  exalta a contratação livre e incondicional promovendo “valores” que seriam por si só antitéticos, sobre os quais se funda o direito do trabalho (62), o qual limitaria, ao  contrário, por questão de princípio, a esfera da aplicação da lex mercatoria por meio da inderrogabilidade das normas de tutela, a rigidez do tipo contratual, a (parcial) indisponibilidade dos direitos do trabalhador e a não arbitrabilidade dos contratos transnacionais de trabalho. Princípios, estes, aos quais se alinham as normas do direito internacional privado e processual aplicáveis aos contratos de trabalho subordinado; normas colocadas diretamente pelo legislador da UE.

Ora, se se olhar “além” do sistema jurídico integral da União, a situação muda. De fato, as empresas transnacionais desfrutam da concorrência entre ordenamentos jurídicos nacionais, sobretudo no Sul do mundo, para minimizar o custo do trabalho.  E ainda, propriamente nesta dimensão geopolítica e comercial subalterna, os códigos de conduta das multinacionais (que são parte da nova lex mercatoria, incentivadas pela própria UE e pelos princípios da ONU a respeito da empresas e direitos humanos) terminam por preencher as lacunas dos direitos nacionais, às vezes suprindo a ausência de normas imperativas estatais de tutela do trabalhador nos países em que os padrões de tutela dos direitos sociais fundamentais são mais baixos. Mas com todos os problemas correlatos à confiabilidade da tutela do trabalhador do Estado ao mercado (63).

Inversamente, olhando “aquém” do contexto da UE, a influência da lex mercatoria não se traduz em uma melhora dos direitos fundamentais dos trabalhadores. 

Há que se colocar em discussão a própria rigidez do tradicional sistema justrabalhista. As características básicas do direito do trabalho e sua função equilibradora das posições assimétricas entre trabalhadores e empregadores parecem, de fato, ameaçadas pela afirmação de formas de negociação privada entre o trabalhador e o empregador em nome da autonomia formal das partes (como acontece por meio das plataformas digitais).  Estas formas de negociação ameaçam desarticular as categorias fundamentais do direito do trabalho e fragilizar a função compensatória e de reequilíbrio de poder no âmbito das relações individuais e coletivas.

 

 NOTAS

 (1) Tradução: Eiko Lúcia Itioka; Janeiro 2020.

 (2) Cf. A. Lyon-Caen, Eternelle crise em « Le droit Ouvrier », 2012, p.68, que encaminha a A. Lyon-Caen, A.Jeammaud (sob a direção de), Droit du travail démocratie et crise, Actes Sud, Arles, 1986.

(3) Como, em particular, a inderrogabilidade: no quadro da geral crise geral, a inderrogabilidade vem cada vez mais percebida como um incomodo elemento de rigidez, incompatível com as exigências de adaptação do sistema produtivo a um mercado cada vez mais dinâmico e global. “[…] O estabelecimento das tutelas inderrogáveis acaba por ser considerado como um fator de obstáculo ou, no mínimo, como um freio à ocupação e, portanto, acusado de modo significativo – não só, mas também – de favorecer a ocupação irregular e a fuga da disciplina de tutela”:  cf. C. Cester, Inderogabilità [dir. lav], em “Enc. Treccani. Diritto on line”, 2016. “[…] E todavia, a abertura de brechas  sempre mais amplas na parede da inderrogabilidade traz junto o risco de colapso: “A história dos próximos anos nos dirá se o plano inclinado esboçado continuará a desenhar uma matéria totalmente nova, caracterizada por inéditos princípios e finalidades ou se, ao contrário, como é desejável, mesmo convivendo com os fenômenos de descontinuidade, preservará, mediante uma maior flexibilidade entre as fontes, aquela diretriz ideal própria – orientada pela proteção a quem trabalha como dependente de  outros  – que até hoje fez sobreviver a especialidade e a vitalidade do direito do trabalho em todo contexto político e cultural”; cf R. De Luca Tamajo, Il problema dell’inderogabilità delle regole a tutela del lavoro: passato e presente, em “Giorn. dir. lav. rel. ind.”, 2013, p. 715 e s.

(4) É prenúncio kafkaniano expresso por V. Speziale, La mutazione genetica del diritto del lavoro, em “WP.S.D.L.E. ‘Massimo D’Antona’”. IT -322/2017, p. 2

(5) M. L. Ceprini, Il Nuovo Welfare in Europa: interazione tra Riforme Sociali e Politiche di mercato del lavoro, em “ Rivista di Storia Finanziaria dell’Università Federico II di Napoli”, 10/2005, pp. 51-80.

(6) A referência é ao chamado Jobs Act (Governo Renzi) e ao chamado decreto dignidade (Primeiro Governo Conte). A compulsiva legislação sobre o trabalho por tempo determinado, justificada abstratamente por objetivos de política social e ocupacional (legitimamente determinável), se de um lado determina um recuo completo no nivel geral de tutela, além de, mergulhado em uma disciplina cada vez mais confusa, não elimina de outro a probabilidade de novas e frequentes edições, dado talvez ao contexto de tantas possibilidades do fecundo contencioso judiciário na matéria. Sobre as características e os danos desta irracional legislação, vide R. Di Meo, Il sistema delle fonti e l’inedito ruolo della contrattazione collettiva, em “Tecniche e ideologie delle ‘riforme’ del Diritto del lavoro”, organizado por A. Di Stasi, Giappichelli, Turim, 2018, pp. 23-47; A. Giuliani, Rapporti di lavoro a termine e livelli di tutela, em “Tecniche e ideologie…”, op.cit. pp. 69-85; F. Pascucci, Equivocità semantica del “contratto a tutele crescenti”, em “Tecniche e ideologie…”, op. cit., pp.115-151.

 (7) Cf. F. Marconi, Le origini e la diffusione della crisi finanziaria: evidenze teoriche ed empiriche, em “La crisi mondiale. Storia di tre anni difficili”, organizado por A. Crescenzi, Luiss University Press, Roma, 2011, p. 23.

 (8) Já no final de 2004 circulava na Itália o falatório sobre o “fantasma da recessão”, “nunca uma crise tão forte”; “é a pior crise desde 45”, assim destacaram o Corriere della Sera e o il Sole 24 Ore, de 15.12.2004, reportando as declarações da direção da Confindustria.

 (9) Cf. P. Ichino, Il lavoro e il mercato. Per un diritto del lavoro maggiorenne, Mondadori, Milão, 1996.

 (10) Como ensinam as “melhores práticas”, a eficácia das ditas políticas depende de: a) la sincronização das políticas; b) o compartilhamento da ação e abertura ao confronto; c) diálogo de mais atores em vários níveis, em particular as Partes socias. Cf.  T. Wilthagen, R. Rogowski, Legal Regulation of Transitional Labour Markets, em “The Dynamics of Full Employment: Social Integration through Transitional Labour Markets”, organizado por G. Schmid, B. Gazier, Edward Elgar, Cheltenham 2002, pp. 233-273.

 (11) Assim cantava Enzo Iannacci: “ ele fazia a sentinela de um  bando de ladrões (o “bando de Ortica”), mas era cego, nao conseguia ver nada, e foi assim que prenderam todos…”

 (12) P.Y.Verkindt, Regards sur le droit du travail français contemporain dans la crise économique et financière, em « Revue de droit comparé du travail et de la sécurité sociale »,  fev. 2012, p. 30.

 (13) Vide em particular Il diritto del lavoro nell’emergenza, organizado por R. De Luca Tamajo, L. Ventura, Jovene, Nápoles, 1979; como também A. Lyon-Caen, A. Jeammaud, op. cit., 1986.

 (14) Cf.  J. Barthélémy, Droit social, organisateur de l’entreprise, Éd. Liaisons, 2003.

 (15) P. Rosanvallon, La société des égaux, Paris, 2011, p. 251.

 (16) V. Baldini, Lo Stato costituzionale di diritto e il ruolo del giudice, oggi, em “Dirittifondamentali.it”, 1/2018 (7 maio 2018).

 (17) Declarando a ilegitimidade de uma norma da Região de Abruzzo, na parte em que previa que, pela realização do serviço de transporte de estudantes deficientes, o Governo regional teria garantido uma contribuição semelhante a somente 50% da despesa necessária.

 (18) Vide L. Madau, “É a garantia dos direitos incomprimíveis para incidir sobre o orçamento, e não o o equilíbrio deste a condicionar-lhe o suprimento necessário”. Nota à Corte cost. n. 275/2016, em “Osservatorio AIC”, 1/2017; vide também R. Cabazzi, Diritti incomprimibili degli studenti con disabilità ed equilibrio di bilancio nella finanza locale secondo la sent. della Corte costituzionale n. 275/2016, em “forumcostituzionale.it”, 2017.

 (19) Cf. L. Ferrajoli, Principia iuris. Teoria del diritto e della democrazia, Laterza, Roma-Bari, 2007.

 (20) Sobre o qual, ex multis, R. Del Punta, L’economia e le ragioni del diritto del lavoro, em “Giorn. dir. lav. rel. Ind”., 1/2001, pp. 3-45.

 (21) R. Del Punta, Il diritto del lavoro tra valori e storicità, em “Lavoro e diritto”, 3/2002, pp. 349-53.

 (22) P. Ichino, Il lavoro e il mercato… , op. cit.  p. 70; como também P. Costa, Cittadinanza sociale e diritto del lavoro nell’Italia repubblicana, em Lavoro e Diritto, 1/2009, pp. 35-88.

 (23) Vide: A. Supiot, Il futuro del lavoro. Trasformazioni dell’occupazione e prospettive della regolazione del lavoro in Europa, Carocci, Roma, 2003, p. 61 e s.

 (24) G. Cazzetta, Scienza giuridica e trasformazioni sociali. Diritto e lavoro in Italia tra Otto e Novecento, Giuffrè, Milão, 2007, pp. 325-26.

 (25)  M.Rodriguez-Piñero, La grave crisi del diritto  del lavoro, em “Lavoro e Diritto”, 1/2012, pp. 3-18.

 (26) Cf. o Libro Verde da Comissão (22.11.2006) com o título Modernizzare il diritto del lavoro per rispondere alle sfide del XXI secolo [COM (2006) 708 def.].

 (27) Sobre a crise da legalidade e do Estado de direito, vide G. Acocella, Appunti per una storia dell’idea di legalità. Profili storici di teoria generale del diritto, Editrice APES, Roma, 2015.

 (28) No sistema jurídico da UE para governance entende-se o conjunto das normas, processos e comportamentos que influem sobre o modo no qual as competências são exercidas em nível comunitário, sobretudo no que se refere aos princípios de abertura, participação, responsabilidade, eficácia e coerência. “Estes cinco princípios de boa administração reforçam aqueles da subsidiariedade e da proporcionalidade” (cf. Comunicação da Comissão de 25.07. 2001, com o título “Governance europea-Un libro bianco” [COM (2001) 428 def.])

 (29)  É clara a referência à La società del rischio. Verso una seconda modernità, de U. BECK, escrito em 1986, mas traduzido e publicado na Itália em 2000 pela Ed. Carocci.

 (30) Com a advertência de que o conceito de “a soft law, por definição, nada diz respeito às fontes de direito, ou seja, à hard law. Pode dizer respeito, ao invés, ao processo de interpretação para perfis diferentes”: cf. R. Bin, La scarsa neutralità dei neologismi. Riflessioni attorno a soft law e a governance, em “Per il 70° compleanno di P. Zamorani. Scritti offerti dagli amici e dai colleghi di Facoltà”, organizado por L. Desanti, P. Ferretti, A. Manfredini, Giuffrè, Milão, 2009, p.19.

 (31) Sobre o ponto vide Tecniche legislative e politiche del lavoro,  organizado por E. Limardo, Ed. Scientifica, Nápoles, 2016.

 (32) Cf. La delega della funzione legislativa nella giurisprudenza costituzionale, organizado por R. Nevola, D. Diaco, Servizio studi della Corte costituzionale, outubro 2018.

 (33) Sobre tal anomalia, e em particular sobre decretos legislativos “além da delegação” nas recentes “reformas” do trabalho, vide G. Pacella, Le nuove regole dello ius variandi, em “Tecniche e ideologie….”, op. cit., pp.87-113.

 (34) Sobre tais anomalias falta uma orientação unívoca da jurisprudência constitucional italiana: enquanto exprime dinâmicas interessantes sobre a decretação de urgência, fica indefinida à respeito da legislação delegada. De um lado (sentença n. 171/2007), o controle da Corte Constitucional sobre a decretação de urgência se tornou direto e conduz à ilegitimidade da lei de conversão, pois a evidente a falta dos pressupostos de necessidade e urgência do decreto-lei repercute sobre a lei que segue. De outro, se a Corte constitucional também começou a censurar os decretos legislativos por excesso de delegação (sent. Nº 340/2007), esta não se impõe até sancionar a lei de delegação indeterminada, isto é, a lei que não circunscreve adequadamente o poder normativo do Governo (com exceção, por alguns aspectos específicos, da sent. Nº 280/2003). Em suma, a Corte demonstra haver maior dificuldade em aplicar sanções ao Parlamento que não defende as próprias prerrogativas em lugar de sancionar o Governo que o usurpa: cf G. Di Cosimo, Tutto ha un limite (la Corte e il Governo legislatore), e, “www.forumcostituzionale.it” (9 maggio 2013); vide atambém I.Del Vecchio,  Tendenze in materia di delegazione legislativa nella giurisprudenza recente, em “Federalimi.it-Focus Fonti”, 3/2015, pp. 2-25. 

(35) Não se leva em conta a referência ao princípio de “decent work” promovido já em 1999 pela OIT. “Decent” em inglês, como “decent” em francês, é o termo utilizado para reconhecer a dignidade intrínseca de toda pessoa humana (em espanhol “trabajo decente y digno”), ao qual adere a noção italiana de “trabalho digno”. Cf. G. Casale, La promozione dei diritti sociali nelle politiche dell’ILO ai tempi della globalizzazione, em “Giuseppe Santoro Passarelli, giurista della contemporaneità. Liber Amicorum”, Giappichelli, Turim, 2018, pp. 274-285. 

 (36) Sobre o tema vide G. Grasso, Il costituzionalismo della crisi: uno studio sui limiti del potere e sulla sua legittimazione al tempo della globalizzazione, Ed. Scientifica, Nápoles, 2012.

 (37) Cf. as reflexões ainda atuais de P. Grossi, desenvolvidas no início deste século na Pagina introduttiva (ancora sulle fonti del diritto), em “Quaderni fiorentini” n. 29 (2000), pp. 1-10.

 (38) Cf. N. Irti, L’ordine giuridico del mercato, Laterza, Roma-Bari, 2009.

 (39) Sobre a complexidade constitucional do ordenamento europeu, vide ensaio homônimo de G. Martinico, em ““Scritti in onore di Gaetano Silvestri”, Giappichelli, Turim, 2016, pp. 1364-1380.

 (40) M. Cartabia, Prefazione, em “La domanda inevasa. Dialogo tra economisti e giuristi sulle dottrine economiche che condizionano il sistema giuridico europeo”, organizado por L. Antonini, Il Mulino, Bolonha, 2016, p. 9.

 (41) Ibidem

 (42) Cf. L. Torsello, Persona e lavoro nel sistema CEDU. Diritti fondamentali e tutela Sociale nell’ordinamento multilivello, Cacucci, Bari, 2019.

 (43) A. Catelani, Il diritto come struttura e come forma, Rubbettino, Soveria Mannelli, 2013.

 (44) Vide A. Ruggeri, Corte costituzionale, Corti europee, giudici comuni: le aporie di una costruzione giurisprudenziale in progress e a geometria variabile, em “Consulta online”, 2018, fasc. III (24 outubro 2018).

 (45) L. Ronchetti, Il nomos della deterritorializzazione, em “Rivista di diritto costituzionale”, 2003, p.101.

 (46) Cf. M. R. Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione. Diritto e diritti nella società transnazionale, Il Mulino, Bolonha, 2000, p. 7.

 (47) G. CORSO, Persistenza dello Stato e trasformazioni del diritto, em “Lo Stato contemporaneo e la sua crisi”, em “Arsinterpretandi-Annuario di ermeneutica giuridica”, 2011 pp. 107-129. 

 (48) M. R. Ferrarese, Il diritto al presente. Globalizzazione e tempo delle istituzioni, Il Mulino, Bolonha, 2002, p. 66.

 (49) Ibid., p. 67.

 (50) E. Longo, La legge precaria. Le trasformazioni della funzione legislativa nell’età dell’accelerazione, Giappichelli, Turim, 2017. No contexto aqui sintetizado, a precariedade da lei (também em matéria de trabalho) se confronta com a sua vontade de responder às exigências conjunturais e de curto prazo, arriscando, assim, de perder a generalidade e o caráter abstrato e a sua própria aspiração de ser duradoura e de assegurar a estabilidade e certeza às relações jurídicas. Basta pensar na legislação produzida com os decretos-lei chamados “milleproroghe” (mil prorrogações”) ou “prorrogação de termos/extensão de termos”, por ora adotados a cada ano pelos Governos para remodular os efeitos temporais de uma pluralidade de fontes – sejam disciplinas próximas ao vencimento, sejam normas  ditadas temporariamente  – ou de prorrogar a suspensão da eficácia de normas que entraram em vigor anteriormente;  sobre o ponto, vide G. RIVOSECCHI, Considerazioni sparse in ordine alle attuali tendenze della produzione normativa, em “Osservatorio AIC”, 1-2/2019 (12 de abril de 2019), www.osservatorioaic.it.

 (51) F. Rimoli, Certezza del diritto, e moltiplicazione delle fonti: spunti per un’analisi, in “Trasformazioni della funzione legislativa”, organizado por F. Modugno, II, Giappichelli, Turim, 2000, p. 73.

 (52) G. Zagrebelsky, Contro la dittatura del presente .Perché è necessario un discorso sui fini, Laterza, Bari, 2014, p. 70.

 (53) A. Cervati, Diritto costituzionale tra memoria e mutamento, em “Il Libro dell’Anno del Diritto-2017”, www.treccani.it.

 (54) Vide ex multis A. Morrone, Globalizzazione e trasformazioni del diritto costituzionale, em “Scritti in onore di Gaetano Silvestri”, Giappichelli, Turim, 2106, pp. 1471-1484.

 (55) As vezes atribuindo à jurisprudência uma tarefa imprópria de suplência política, com o risco de conflito entre poderes; cf. G. Acocella, op. cit.p. 105

 (56) S. Cassese, Il diritto globale. Giustizia e democrazia oltre lo stato, Einaudi, Turim, 2009.

 (57) F. Rimoli, op. cit., p. 109.

 (58) N. Bobbio, Giusnaturalismo e giuspositivismo (Verbete), em Enciclopedia Treccani (Enc. delle scienze sociali), 1994.

 (59) Cf. F. Ost, Dalla piramide alla rete: un nuovo modello per la scienza giuridica?, em “Il tramonto della modernità giuridica. Un percorso interdisciplinare”, organizado por M. Vogliotti, Giappichelli, Turim, 2008, p. 29.

 (60) Cf. B. Pastore, Sul disordine delle fonti del diritto (inter)nazionale, em “Diritto & Questioni pubbliche”, 1/2017, pp. 13-30.

 (61) F. Galgano, Lex mercatoria, il Mulino, Bolonha  2010, p. 248. Sobre o caráter da lex mercatoria como direito prêt-à-porter, pronto a se apresentar com o tamanho necessário naquele momento necessário”, vide  P. GROSSI, L’invenzione del diritto, Laterza, Bari, 2018,  p. 122.  

 (62) F. Marrella, Lex mercatoria e diritto del lavoro, em Riv. giur. del lavoro e della previdenza sociale”, 4/2015, pp. 691-727, em particular, p. 703.  

 (63) Ibid.